sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Violência no desporto. Parte III: modelos gerais de controle da violência

“Cada país tem o número de presos que decide politicamente ter”. A afirmação é do ministro da Suprema Corte Argentina, Eugenio Raúl Zaffaroni, e continua: “As prisões são sempre reprodutoras. São máquinas de fixação das condutas desviantes. Por isso devemos usá-las o menos possível”.

O promotor Fernando Capez, adorado pelas torcidas organizadas, faz a seguinte explicação sobre as funções da pena, “a pena tem a dupla função de punir o criminoso e prevenir a pratica do crime, pela reeducação e pela intimidação coletiva”. Trago o aqui dois modelos de redução da criminalidade que podem ser utilizados nos casos de violência no desporto, um implantado em Nova York e outro em Bogotá.

A política de tolerância zero foi implantada em Nova York na década de 1980, inicialmente nos metrôs da cidade, na gestão do prefeito Rudolph W. Giuliani, impondo punições automáticas a qualquer delito. Foi desenvolvida a partir da teoria das janelas quebradas ou "broken windows theory", apresentada em 1982 por dois norte-americanos, o cientista político James Q. Wilson e o psicólogo criminologista George Kelling, na publicação de um estudo na revista Atlantic Monthly.

Estabeleceu-se, pela primeira vez, uma relação de causalidade entre desordem e a criminalidade e foi o modelo utilizado na Inglaterra para controlar as ações de torcedores. Esse modelo de política de segurança pública parte do pressuposto de que se não forem reprimidos os pequenos delitos ou contravenções, inevitavelmente a quantidade de delitos mais graves aumentará consideravelmente.

A meta principal é incutir o hábito do respeito à legalidade, produzindo, a médio prazo, uma redução nos índices de microcriminalidade, que levaria a uma diminuição nos delitos de maiores potenciais ofensivos. A ação policial se torna extremamente intransigente, causando o aumento considerável do número de prisões.

A teoria faz o seguinte paralelo. Um local constantemente depredado, deteriorado e abandonado, transmite a ideia de despreocupação das autoridades públicas. Um vidro quebrado induz ao “vale-tudo”, provocando uma violência irracional, o que estaria ocorrendo nos estádios nacionais e em seus entornos.

Theodomiro Dias Neto, professor da FGV e diretor do Ibccrim, defende uma ideia, da qual compartilho, de que essa é uma visão equivocada da violência urbana. “Existe uma hegemonia do discurso repressivo. A tendência tem sido de combater os sintomas e não as causas do problema. É como se estivéssemos administrando um remédio numa pessoa doente, sem saber para que o medicamento serve”. Estamos analisando os fatores, de uma maneira criminalizante, desde o inicio.

Com ações ineficazes, a sociedade acaba pedindo a intensificação de medidas, por meio de uma resposta penal mais severa, “aumentando a dose do remédio”. Criminalizar um fato, por vezes agrava seu problema. Torna-se necessário um discurso mais técnico e menos repressivo.

Por incrível que pareça, um excelente exemplo é a cidade de Bogotá, onde reservaram um olhar multidisciplinar para a criminalidade e perceberam, ainda, que existe uma diferença entre o crime e o medo do crime. Basicamente passou a haver uma efetiva participação da sociedade civil, uma análise local do problema, descentralização das ações e um olhar contextualizado da realidade. No lugar de tolerância zero, uma tolerância na convivência urbana.

Segundo Gilberto Dilmeinstein, idealizador do “Catraca Livre”, de 1993 até 2006, a taxa de homicídios na cidade havia caído quase 80% e chegou a estar em 17 por 100 mil habitantes. Dentre os programas instalados destacam-se a criação de uma grande rede de bibliotecas, a construção de ciclovias para facilitar o acesso e a implantação de um novo corredor de ônibus (TransMilênio).

Além disso, há a promoção constante de ações culturais e festivais, a presença ativa de núcleos de policiamento comunitário, um melhoramento qualitativo da educação formal, a livre articulação nos mais diferentes níveis governamentais e uma maior ênfase no poder local, tornando o prefeito responsável pelo enfrentamento contra o crime e a violência. 
E tudo começou com um projeto chamado "Livros que voam", realizado por Luiz Angel Blandon, ex-membro da FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), em que aquele que possuía um livro, o passava pra frente, e o beneficiário precisava se comprometer a passar o livro adiante e exigir que o próximo a recebê-lo não interrompesse a corrente literária.

O Brasil ainda precisa aprender muito com as experiências estrangeiras e criar um debate a fim de que uma posição seja tomada e as legislações se tornem mais conexas e efetivas.

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