Violência no desporto. Parte III: modelos gerais de controle da violência
“Cada país
tem o número de presos que decide politicamente ter”. A afirmação é do ministro da Suprema Corte Argentina, Eugenio Raúl Zaffaroni, e continua: “As prisões são sempre
reprodutoras. São máquinas de fixação das condutas desviantes. Por isso devemos
usá-las o menos possível”.
O promotor Fernando Capez, adorado pelas torcidas organizadas, faz a
seguinte explicação sobre as funções da pena, “a pena tem a dupla função de
punir o criminoso e prevenir a pratica do crime, pela reeducação e pela
intimidação coletiva”. Trago o aqui
dois modelos de redução da criminalidade que podem ser utilizados nos casos de
violência no desporto, um implantado em Nova York e outro em Bogotá.
A política de tolerância
zero foi implantada em Nova York na década de 1980, inicialmente nos metrôs da
cidade, na gestão do prefeito Rudolph
W. Giuliani, impondo punições automáticas a qualquer delito. Foi desenvolvida a
partir da teoria das janelas quebradas ou "broken windows theory",
apresentada em 1982 por dois norte-americanos, o cientista político James Q.
Wilson e o psicólogo criminologista George Kelling, na publicação de um estudo na revista Atlantic Monthly.
Estabeleceu-se, pela
primeira vez, uma relação de causalidade entre desordem e a criminalidade
e foi o modelo utilizado na Inglaterra para controlar as ações de torcedores. Esse
modelo de política de segurança pública parte do pressuposto de que se não
forem reprimidos os pequenos delitos ou contravenções, inevitavelmente a
quantidade de delitos mais graves aumentará consideravelmente.
A meta principal é
incutir o hábito do respeito à legalidade, produzindo, a médio prazo, uma
redução nos índices de microcriminalidade, que levaria a uma diminuição nos
delitos de maiores potenciais ofensivos. A ação policial se torna extremamente
intransigente, causando o aumento considerável do número de prisões.
A teoria faz o seguinte
paralelo. Um local constantemente depredado, deteriorado e abandonado,
transmite a ideia de despreocupação das autoridades públicas. Um vidro quebrado
induz ao “vale-tudo”, provocando uma violência irracional, o que estaria
ocorrendo nos estádios nacionais e em seus entornos.
Theodomiro Dias Neto,
professor da FGV e diretor do Ibccrim, defende uma ideia, da qual compartilho, de
que essa é uma visão equivocada da violência urbana. “Existe uma hegemonia do
discurso repressivo. A tendência tem sido de combater os sintomas e não as
causas do problema. É como se estivéssemos administrando um remédio numa pessoa
doente, sem saber para que o medicamento serve”. Estamos analisando os fatores,
de uma maneira criminalizante, desde o inicio.
Com ações ineficazes, a
sociedade acaba pedindo a intensificação de medidas, por meio de uma resposta
penal mais severa, “aumentando a dose do remédio”. Criminalizar um fato, por
vezes agrava seu problema. Torna-se necessário um discurso mais técnico e menos
repressivo.
Por incrível que pareça,
um excelente exemplo é a cidade de Bogotá, onde reservaram um olhar
multidisciplinar para a criminalidade e perceberam,
ainda, que existe uma diferença entre o crime e o medo do crime. Basicamente
passou a haver uma efetiva participação da sociedade civil, uma análise local
do problema, descentralização das ações e um olhar contextualizado da
realidade. No lugar de tolerância zero, uma tolerância na convivência urbana.
Segundo Gilberto Dilmeinstein, idealizador
do “Catraca Livre”, de 1993 até 2006, a taxa de homicídios na cidade havia
caído quase 80% e chegou a estar em 17 por 100 mil habitantes. Dentre os
programas instalados destacam-se a criação de uma grande rede de bibliotecas, a construção de ciclovias para facilitar o acesso e a implantação de um novo corredor de ônibus (TransMilênio).
Além disso, há a promoção constante de
ações culturais e festivais, a presença ativa de núcleos de policiamento
comunitário, um melhoramento qualitativo da educação formal, a livre
articulação nos mais diferentes níveis governamentais e uma maior ênfase no
poder local, tornando o prefeito responsável pelo enfrentamento contra o crime
e a violência.
E tudo começou com um projeto
chamado "Livros que voam", realizado
por Luiz Angel Blandon, ex-membro da FARC (Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia), em que aquele que possuía um livro, o
passava pra frente, e o beneficiário
precisava se comprometer a passar
o livro adiante
e exigir que
o próximo a recebê-lo não
interrompesse a corrente literária.
O Brasil ainda precisa aprender muito com
as experiências estrangeiras e criar um debate a fim de que uma posição seja
tomada e as legislações se tornem mais conexas e efetivas.
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