Interferência estatal na ordem jurídico-desportiva
Já
está mais do que na hora de por abaixo os vícios históricos
que entrelaçam o desporto e afastarmos tabus. A dimensão jurídica
desportiva
não pode mais sofrer por falta de apreço. Com o início do Campeonato
Brasileiro de Futebol e o teatro em que o transformaram, algumas medidas
devem ser tomadas pra que
não entremos em uma espiral de insegurança. Nas próximas postagens vou
tecer
alguns comentários sobre a situação que perpassa a Portuguesa de
Desportos,
além de uma introdução à autonomia desportiva, consagrada no art. 217 da
Constituição Federal.
Não podemos nos esquecer do imbróglio do começo do século
envolvendo o Gama que resultou na Copa João Havelange, apesar do momento ser
outro. O Direito sempre penetrou no mundo do desporto como nas demais esferas
da vida coletiva, contudo, deve ser tratado com cautela, sempre se lembrando da
máxima de Oliver Wendell Holmes em que “a vida do Direito não tem sido lógica,
mas sim experiência”.
O saudoso professor José Albuquerque Rocha constatou certa
vez “a indiferença do jurista pelas ciências sociais relacionadas com o Direito,
justamente porque a dogmática jurídica, pelos seus próprios procedimentos, induz o
jurista a pensar que sua tarefa consiste unicamente em cuidar de normas e não
de realidades sociais, econômicas e políticas”.
O sociólogo Muniz Sodré fazendo retomada das questões
levantadas por Foucault, em Vigiar e Punir lembra que “o esporte, com suas
regras e sua organização interna, surge como desenvolvimento externo dessa
economia corporal do tempo livre do sujeito”. Mas muitos ainda veem o desporto
como sinônimo apenas de paixão, de diversão e espetáculo, esquecendo-se de que por
detrás existem profissionais que dele sobrevivem.
Os juristas desconsideram e até rejeitam a problemática
desportiva. A realidade desportiva, como bem orientava o escritor Vazquéz
Montalbán, é “de massas, mas não só
para as massas, mas pelas massas”. Para
Paulo Bonavides, “o Direito não é a ciência que se cultive com indiferença ao
modelo de sociedade onde o homem vive e atua”. O desporto ingressa com força
peculiar dentro do conjunto de preocupações políticas do Estado contemporâneo e,
consciente disso, ele nunca está alheio a sua zona de interesses. Mas há
limites.
Pinto Ferreira confirma que “a autonomia é um conceito
jurídico e foi delegado por força da Constituição às entidades desportivas, não
podendo ser violentadas por norma infraconstitucional”, e o jurista francês
Henry Capitant completa, “a autonomia é o direito de se reger por suas próprias
leis”, mas claro que não de forma absoluta.
A autonomia desportiva, sobretudo das decisões da justiça
desportiva, naquilo que é de sua competência, ou seja, em situações atinentes a
regulamentos e disciplina não deve ser interferida por decisões externas, haja
vista não só a liberdade de associação e a autonomia das entidades
desportivas dirigentes, bem como a sua organização e funcionamento.
Nessa postagem, a qual embasará as demais, vale a homenagem ao
ícone Álvaro de Melo Filho, sobre o qual muito sustento minhas publicações. Para
finalizar, uma visão do sociólogo Oliveira Viana, o qual apesar de algumas
visões equivocadas em relação a outros assuntos, aqui, como jurista, se expressa
de forma contundente:
“Os nossos juristas esquecem este vasto submundo do direito
costumeiro do nosso povo, de cuja capacidade criadora o direito desportivo é um
dos mais belos exemplos; criadora e organizadora porque o sistema de
instituições sociais servem aos desportos, saídas do seio do povo – da massa
urbana, como uma emanação sua – traz impresso a sua marca indelével e o oferece
um aspecto de esplêndida sistematização institucional.” (In Instituições Políticas
Brasileiras, 1985, p. 221)
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