sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Interferência estatal na ordem jurídico-desportiva

Já está mais do que na hora de por abaixo os vícios históricos que entrelaçam o desporto e afastarmos tabus. A dimensão jurídica desportiva não pode mais sofrer por falta de apreço. Com o início do Campeonato Brasileiro de Futebol e o teatro em que o transformaram, algumas medidas devem ser tomadas pra que não entremos em uma espiral de insegurança. Nas próximas postagens vou tecer alguns comentários sobre a situação que perpassa a Portuguesa de Desportos, além de uma introdução à autonomia desportiva, consagrada no art. 217 da Constituição Federal.

Não podemos nos esquecer do imbróglio do começo do século envolvendo o Gama que resultou na Copa João Havelange, apesar do momento ser outro. O Direito sempre penetrou no mundo do desporto como nas demais esferas da vida coletiva, contudo, deve ser tratado com cautela, sempre se lembrando da máxima de Oliver Wendell Holmes em que “a vida do Direito não tem sido lógica, mas sim experiência”.

O saudoso professor José Albuquerque Rocha constatou certa vez “a indiferença do jurista pelas ciências sociais relacionadas com o Direito, justamente porque a dogmática jurídica, pelos seus próprios procedimentos, induz o jurista a pensar que sua tarefa consiste unicamente em cuidar de normas e não de realidades sociais, econômicas e políticas”.

O sociólogo Muniz Sodré fazendo retomada das questões levantadas por Foucault, em Vigiar e Punir lembra que “o esporte, com suas regras e sua organização interna, surge como desenvolvimento externo dessa economia corporal do tempo livre do sujeito”. Mas muitos ainda veem o desporto como sinônimo apenas de paixão, de diversão e espetáculo, esquecendo-se de que por detrás existem profissionais que dele sobrevivem.

Os juristas desconsideram e até rejeitam a problemática desportiva. A realidade desportiva, como bem orientava o escritor Vazquéz Montalbán, é “de massas, mas não só para as massas, mas pelas massas”. Para Paulo Bonavides, “o Direito não é a ciência que se cultive com indiferença ao modelo de sociedade onde o homem vive e atua”. O desporto ingressa com força peculiar dentro do conjunto de preocupações políticas do Estado contemporâneo e, consciente disso, ele nunca está alheio a sua zona de interesses. Mas há limites.

Pinto Ferreira confirma que “a autonomia é um conceito jurídico e foi delegado por força da Constituição às entidades desportivas, não podendo ser violentadas por norma infraconstitucional”, e o jurista francês Henry Capitant completa, “a autonomia é o direito de se reger por suas próprias leis”, mas claro que não de forma absoluta.

A autonomia desportiva, sobretudo das decisões da justiça desportiva, naquilo que é de sua competência, ou seja, em situações atinentes a regulamentos e disciplina não deve ser interferida por decisões externas, haja vista não só a liberdade de associação e a autonomia das entidades desportivas dirigentes, bem como a sua organização e funcionamento.

Nessa postagem, a qual embasará as demais, vale a homenagem ao ícone Álvaro de Melo Filho, sobre o qual muito sustento minhas publicações. Para finalizar, uma visão do sociólogo Oliveira Viana, o qual apesar de algumas visões equivocadas em relação a outros assuntos, aqui, como jurista, se expressa de forma contundente:

Os nossos juristas esquecem este vasto submundo do direito costumeiro do nosso povo, de cuja capacidade criadora o direito desportivo é um dos mais belos exemplos; criadora e organizadora porque o sistema de instituições sociais servem aos desportos, saídas do seio do povo – da massa urbana, como uma emanação sua – traz impresso a sua marca indelével e o oferece um aspecto de esplêndida sistematização institucional.” (In Instituições Políticas Brasileiras, 1985, p. 221)

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