sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Ausência de negros nas piscinas: fatores biomecânicos ou socioeconômicos?

O primeiro ouro olímpico conquistado por um nadador negro aconteceu somente em 1988, em Seul, quando Anthony Nesty, representando o Suriname, desbancou os favoritos nos 100m borboleta. Anthony Nesty só teve a oportunidade de nadar em alto rendimento por ter recebido uma bolsa para estudar nos EUA. Tornou-se ídolo nacional e teve sua face emitida em moedas comemorativas do país e hoje dá nome até mesmo ao avião presidencial. O primeiro bronze, por sua vez, já havia sido conquistado pela holandesa Enith Brigitha, doze anos antes, em Montreal.

Já no Brasil, a primeira medalha veio apenas em 2000, em Sidney, com o bronze do baiano Edvaldo Valério no revezamento dos 4x100m livres. Nos dias atuais, dois atletas ganharam destaques nas equipes representantes do Brasil, Gabriel Mangabeira, com resultados expressivos em Pan-Americanos e o macapaense aposentado em 2009, Jáder Souza. Fato é que há registros de um maior número de participantes e resultados expressivos de negros em competições de natação de alto rendimento, tal como o vice-campeonato mundial de Etiene Medeiros em 2008, mas a mudança é vagarosa.

Muitas teorias foram utilizadas para tentar levantar o motivo pelo qual os melhores velocistas do atletismo teriam ascendência africana, enquanto na natação, tal tendência seja de brancos. Adrian Bejan, da Universidade de Duke, acredita que essa discrepância de resultados se dá pela diferença no centro de gravidade dos atletas. Para ele, os atletas negros possuem membros mais longos com circunferências menores, fazendo com que seus centros de gravidade sejam mais elevados. A locomoção, como um processo contínuo de cair para frente, restaria prejudicada caso a altura do competidor seja menor no atletismo. Essa diferença tomaria posição contrária dentro das piscinas.

Outras justificativas biomecânicas se apoiam na densidade óssea, na porcentagem de gordura corporal, na disposição de diferentes fibras musculares, além de um músculo torácico maior em brancos, enquanto em negros os músculos glúteos seriam mais fortes. Todos esses aspectos afetariam na manutenção da flutuabilidade, essencial para se reduzir a resistência criada pela piscina. Nas provas de travessia, a diferença de resultados não é tão gritante. A diferença, portanto, apesar de talvez sofrer alguma influência em características marcantes em brancos ou negros, não pode se concluir apenas apoiado tais fatores, mas, sobretudo, deve-se basear em fatores socioeconômicos.

A população menos favorecida não possui acesso a clubes e escolas de natação com orientação especializada e a formação acaba sendo defasada. O esporte praticado em alto rendimento se compõe decisivamente na fase de formação de seus atletas. Podemos facilmente observar o que ocorre também em outros esportes como Iatismo, Fórmula 1 e Tênis, e mesmo que nos dois últimos tenhamos negros como grandes expressões, tais quais, Lewis Hamilton e Tiger Woods, podemos tranquilamente afirmar que são exceções à regra. Hamilton, inclusive, foi o primeiro negro a guiar um carro na principal categoria do automobilismo. Isso decorre de restrições biomecânica? Não, mas de carência de oportunidades provocada por fatores de outra ordem.

Mesmo a África do Sul que venceu o Troféu Chico Piscina em 2004 com dois negros, nunca havia tido negros em seu selecionado. Em Atenas, apenas dois negros chegaram às finais, entre eles Gabriel Mangabeira. O primeiro norte americano negro a compor a vaga na equipe nacional para disputar os Jogos Olímpicos foi em Anthony Ervin e tal fato só ocorreu em 2000. Na Grã-Bretanha o fato isolado ocorreu em 1980 com Paul Marshall. No Brasil, a primeira medalha em mundiais veio do conterrâneo de Edvaldo Valério, Mateus Lordelo, em 1999, na prova dos 200m borboleta.

O suporte do atleta na iniciação à modalidade é essencial para seu desenvolvimento. Suporte esse que não se resume a incentivo familiar, mas, também, técnico e psicológico. No alto rendimento, centésimo de segundos resumem uma vitória e muitos desses tempos são conquistados pelo refinamento técnico e preparo psicológico. Para um jovem negro, é muito mais provável a escolha pela prática do atletismo e de esportes coletivos populares, tendo em vista as dificuldades que enfrentará se tomar a decisão pela natação.

Há quem afirme que há décadas passadas, até mesmo no Corinthians, atletas negros eram proibidos de entrar na piscina, pois eram vetados já no exame médico. Ainda hoje é de conhecimento geral que existem tradicionais clubes sociais na cidade de São Paulo que criam inúmeras dificuldades para que negros se tornam membros do quadro efetivo de associados.

Um momento marcante no esporte que demonstra a dificuldade do acesso a esportes por indivíduos que não têm oportunidades a treinamentos de iniciação ou formação se deu nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, quando o canoísta canadense, Alwyn Morris, um índio mohawk nativo da reserva de Caughawaga, levantou no alto do pódio, uma pena de águia estilizada, homenageando os povos nativos da região.

Os estereótipos e suas representações, por vezes, são recepcionados até mesmo num mecanismo contraditório de encarnação do espírito olímpico, reafirmando mitos racistas. Um exemplo bastante claro desse fato se deu na representação da mídia nas coberturas dos atletas da Guiné Equatorial nos Jogos de Sidney, em 2000. Eric Muossambani e Paula Bolopa se classificaram para os Jogos em um programa do COI (Comitê Olímpico Internacional) financiado pelo programa Solidariedade Olímpica. O programa transfere uma parte dos rendimentos do COI para um programa de desenvolvimento que pretende atrair atletas de países que na maioria das vezes não são representados nas competições. Bom lembrar que tais atletas não precisam atingir os índices de classificação estabelecidos pelas federações.

Guiné Equatorial nunca teve um programa nacional de natação. Enquanto Bolopa aprendeu a nadar em um rio da região de Malabo, Moussambani nadava enquanto os hóspedes de um hotel local não utilizavam a piscina de 20m. Moussambani tornou-se história ao disputar com dificuldades uma prova de eliminatórias sozinho. Os dois outros competidores, da Nigéria e do Tadjiquistão, queimaram a largada e aconteceu uma comoção no estádio com a presença solitária de Moussambani nas águas e mais de 17 mil pessoas presentes no que Ben Carrington denominou "olimpismo cosmopolita", onde haveria uma transcendência de nacionalidade e dos atributos raciais.

Contudo, o que caminharia para ser uma história símbolo do olimpismo de participação, começou a tomar outro rumo no Canadá, a fim de contornar o fraco desempenho da equipe nos jogos. Passou-se a relacionar a nacionalidade dos atletas africanos ao estereótipo de que negros não sabem nadar. O tom humorístico de narração do canal CBC canadense tomou conta da equipe de cobertura de natação do centro de comunicações. Moussambani que ficou marcado como "o lesma" e "enguia" pelos comentaristas, por se debater nas águas, começara a nadar há apenas sete meses antes.

Moussambani tentou obter, em Sidney, uma identidade que é negada a negros pela imaginação popular e, mais ainda, pela mídia. O estereótipo criado de que negros não sabem nadar não são apenas rotulações ou mitos generalizados a respeito de determinados grupos. Tais estereótipos afetam de maneira drásticas as identidades por meio de relações de poder, servindo para classificar atletas por meio de comportamentos, características e histórias, desumanizando os estereotipados, conforme Stuart Hall afirma, e impedindo-os de ter um desenvolvimento e interações sociais que a eles façam sentido.

Ainda há muitas barreiras a serem quebradas para a homogeneidade de oportunidades e a ascendência de novos Hamilton, Tiger Woods e Arthur Ashe. A natação ainda é esporte para poucos e mesmo o barbarense César Cielo ainda não será capaz de popularizar o esporte, tal qual tentou Guga e Daiane dos Santos. Para a massificação da natação é necessário que haja mais piscinas públicas ou em comunidades carentes para que jovens menos favorecidos possam ter a oportunidade de ao menos desenvolver capacidade motora e se interessem pela prática da modalidade. Mais do que tudo, políticas públicas devem ser realizadas, de conscientização e de fomento ao esporte orientado.

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